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Terminado o jornal da noite da TV Cultura, na sexta-feira, Vlado despediu-se procurando tranquilizar os companheiros de trabalho: amanhã vou lá, esclareço as coisas e tudo se resolve. Seu único cuidado foi aceitar a companhia do repórter Paulo Nunes, que cobria a área militar para a emissora. Ao chegar em casa, conseguiu acalmar também a mulher, dissuadindo-a de acompanhá-lo na manhã seguinte. Vlado tinha conhecimento da prisão de vários jornalistas nos dias anteriores, conhecia a maioria deles e sabia que seu nome havia sido citado nos interrogatórios, mediante tortura.
Mesmo assim, é pouco provável que se imaginasse seguindo para a morte. Afinal, ocupava alto cargo numa organização estatal, subordinada a um governador (Paulo Egydio Martins) nomeado diretamente pelo general que ocupava o cargo de presidente da República (Ernesto Geisel). Além disso, naquele Brasil ninguém virava síndico de prédio sem que sua folha corrida fosse submetida aos órgãos de informação do governo militar. O nome de Vlado havia sido aprovada pelo SNI. Ninguém se atreveria a maltratá-lo numa dependência oficial do II Exército. Não seria bem assim.
Sérgio Gomes da Silva, o Serjão, aos 25 anos de idade, caiu vinte dias antes, no amanhecer de 5 de outubro, no Largo do Machado, Rio de Janeiro. Tinha acabado de chegar à cidade, depois de viajar a noite inteira de ônibus, e começou a apanhar lá mesmo, na Cidade Maravilhosa. A tortura continuou na viagem de volta a São Paulo e prosseguiu no DOI-CODI, até o dia 28, quando foram liberados todos os jornalistas que continuavam presos. Durante seu depoimento, três anos mais tarde, “todo o tribunal está paralisado, estarrecido, ouvindo o relato daquele jovem que sobreviveu”, conforme nos conta o “Dossiê Herzog – Prisão, tortura e morte no Brasil”, de Fernando Pacheco Jordão.
O procurador da República tenta interromper, alegando que a testemunha fala de sua própria situação, de fatos que nada têm a ver com o processo. Exaltado, o advogado Sérgio Bermudes responde: “É importante, sim, Excelência! É relevante, sim! Porque a testemunha está narrando fatos que demonstram como se tortura, como se mata neste país!”. O juiz João Gomes Martins, que conduz o processo, mas que será impedido de dar a sentença, continua a inquirição de Serjão: “O senhor pode descrever como era esse ‘trono do dragão’?”. “‘Cadeira do dragão’, Excelência”, corrige a testemunha, antes de prosseguir com a narração das atrocidades sofridas.
“… eu tinha de lutar em duas frentes, contra os comunistas e contra os que combatiam os comunistas. Essa é que é a verdade. Eu sabia que a ação do (general) Frota era exagerada, excessiva. Mas não era só o Frota, era sempre o grupo da linha dura”. É o general Ernesto Geisel, quarto presidente do ciclo militar iniciado em 1964, falando a Maria Celina D’Araújo e Celso Castro, pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, numa longa entrevista concedida em diversas sessões entre 1993 e 1994. O resultado foi publicado em livro (Ernesto Geisel, Editora FGV, 1997) e não deixa dúvidas: o general falava em distensão lenta e gradual, mas admite que passou os cinco anos no poder tentando manter as Forças Armadas e o regime sob controle.
Vlado foi preso em meio ao conflito entre o grupo castelista e a chamada “linha dura” do Exército, personificada pelo ministro Sylvio Frota, afinal demitido em 1977. De qualquer forma, Geisel teve de colocar outro linha dura no cargo, o general Bethlem. Na entrevista de Geisel, o período que resulta em centenas de prisões e dezenas de mortes dentro dos aparelhos repressivos ocupa apenas 18 das quase 500 páginas do livro. O capítulo tem o título de Problemas com a linha dura.
Nesse contexto, Vlado vira um caso menor, quando os entrevistadores perguntam se ele aceitou o resultado do inquérito: “É preciso ver o seguinte: o presidente da República não pode passar os dias, ou as semanas, com um probleminha desses. É um probleminha em relação ao conjunto de problemas que ele tem”.
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